ESTUDOS INTERCULTURAIS DO LÉXICO As palavras são uma forma de acesso privilegiado à cultura ou uma das formas de conhecimento da realidade cultural de um povo e de uma região. É através da investigação sobre o léxico em seus aspectos lexiculturais que podemos, por exemplo, conhecer a carga cultural compartilhada entre grupos sociais e como essa carga cultural se manifesta através das palavras. A partir de uma perspectiva intercultural, esta proposta de sessão coordenada propõe divulgar resultados de pesquisas sobre o léxico, em primeiro lugar, o trabalho da pesquisadora Rita Queiroz, contendo uma análise do vocabulário popular contido na obra Tereza Batista Cansada de Guerra pelo viés da Teoria dos Campos Lexicais, idealizada por Eugenio Coseriu (1977). A partir dessa obra, o trabalho apresenta as lexias representativas do universo popular através dos macrocampos Sexualidade e Qualificadores. Em segundo lugar, o trabalho dos pesquisadores Clóvis Ramaiana Oliveira e Norma Lúcia Almeida, que analisa, com base no dicionário sertanejo (CARDOSO, Elisangela Isabel. Dicionário Regional de Uauá Bahia. Uauá: S/E, S/D, p. 70), as andanças e sentidos de palavras migrantes e do próprio processo migratório campo/cidade. Como resultados, o trabalho aponta que o falar rurícola é organizado a partir do princípio da experiência, ou seja, discute os falares que incorporam, na sua narrativa, o viver e o trabalhar, as experimentações cotidianas, os elementos da paisagem. Em terceiro lugar, por fim, o trabalho do pesquisador Cosme Santos, que apresenta um estudo sobre a lexicografia da palavra caboré, em uso no semiárido baiano, sob a orientação teórica da lexicultura (GALISSON, 2000) e da etnolexicografia (PEREZ, 2002). Conforme os resultados deste último trabalho, a definição dicionarizada de caboré, que inclui a acepção ‘indivíduo feio e melancólico’, não está coerente com os significados locais e trata de uma definição refutada, por exemplo, em cursos de formação de educadores indígenas do norte baiano. Enfim, os trabalhos apresentados nesta sessão tratam do léxico, buscando concretizar propostas que levem à consolidação de pesquisas para os fatos lexicais e lexicográficos culturalmente relevantes, tendo em vista o fortalecimento da relação entre léxico e cultura e a abordagem intercultural de investigação da palavra em uso. Resumo #1IMBRICAÇÕES LÉXICO E CULTURA: UM ESTUDO DO VOCABULÁRIO POPULAR NA OBRA TEREZA BATISTA CANSADA DE GUERRA, DE JORGE AMADO O léxico é o nível linguístico no qual transparecem, nitidamente, os influxos históricos e culturais pelos quais passam as sociedades. Em virtude disso, todas as mudanças, sejam estas econômicas, sociais, tecnológicas, dentre outras, se manifestam no léxico, o qual pode ser definido como a janela através da qual se pode ver o mundo. Esta máxima se aplica a toda e qualquer língua. Neste sentido, as imbricações entre léxico e cultura podem ser detectadas via inquéritos linguísticos ou através de obras literárias, por exemplo. Partindo desse pressuposto, tomamos a obra Tereza Batista Cansada de Guerra, do escritor baiano Jorge Amado, falecido em 2001, como corpus de nossas análises. O referido romance teve sua primeira edição datada de 1972, no entanto, a edição que analisamos é a quinta, de 1981. Como bom artífice das palavras e atento às movimentações histórico-linguístico-culturais de sua gente e de seu tempo, o escritor Jorge Amado buscou retratar o falar cotidiano, trazendo para o seu texto expressões populares como “escroto”, “chifrudo”, “porreta”, “bafafá”, “bramota”, dentre outras, as quais revelam o pulsar da sociedade baiana e nordestina, por excelência, bem como a brasileira. Como o léxico é o nível linguístico que representa o mundo e tudo o que se passa nele, Amado mostra também as interferências culturais de outras línguas, como a francesa, através de palavras como “rendez-vous”, a qual ganha nova conotação em terras brasileiras. Sendo assim, pretende-se com este trabalho apresentar uma análise do vocabulário popular contido na obra Tereza Batista Cansada de Guerra pelo viés da Teoria dos Campos Lexicais, idealizada por Eugenio Coseriu (1977), na qual se estuda o léxico estruturalmente. Serão apresentadas as lexias representativas do universo popular através dos macrocampos Sexualidade e Qualificadores Resumo #2Falares urbanos: experiências esmigalhadas A travessia das palavras entre os mundos rurais e urbanos guardam pequenos segredos. Enquanto vão sendo transladadas, sofrem modificações como perda de sotaques, inclusão de novos sentidos, exclusão de significados. Com o tempo, os andantes vocábulos que saíram do campo têm parcelas significavas do seu ser retiradas, são transformados em criaturas mutantes, sombras daquilo que eram no campo. Nesse percurso de perdas e danos são retirados os sons e marcas do viver que os originaram, as pronúncias são adaptadas ao ambiente citadino, ganham indexadores e velocidades novas, movimentam-se por novos critérios. Neste trabalho, pretendemos analisar, a partir da análise de um dicionário sertanejo (CARDOSO, Elisangela Isabel. Dicionário Regional de Uauá Bahia. Uauá: S/E, S/D, p. 70), as andanças e sentidos de palavras migrantes e do próprio processo migratório campo/cidade. Partimos do pressuposto que o falar rurícola é organizado a partir do princípio da experiência, trata-se de uma fala que incorpora, na sua narrativa, o viver e o trabalhar, as experimentações cotidianas, os elementos da paisagem. As palavras produzidas nesse contexto que comunicam pela descrição, falam de coisas que são e descrevem as trajetórias da coisa comunicada. Por seu turno, o urbano falar cobra velocidade nas comunicações, é ambientado no universo das trocas rápidas, da intensa produção e mediado por uma concepção de tempo radicalmente distinta. Na cidade os sons são esmigalhados, as experiências dispersas ao sabor das elétricas energias em frenético processo de redução. Resumo #3LEXICOGRAFIA E INTERCULTURALIDADE NA PALAVRA CABORÉ O universo lexical do semiárido baiano inclui as lexias em uso em comunidades rural, indígena e quilombola. No entanto, a lexicografia brasileira, em especial os dicionários da língua portuguesa padrão, tende a desconhecer esse acervo e, em alguns casos, apresenta definições estereotipadas dessa realidade, comprometendo a qualidade do letramento dos consulentes. Em função disso, nós estamos investigando com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia – FAPESB, o acervo lexical e a lexicografia do sertão semiárido. Neste trabalho, especificamente, a proposta é investigar o tratamento lexicográfico da palavra caboré, em uso no sertão baiano. O pressuposto adotado é abordagem intercultural adotada no Grupo de Lexicografia Intercultural – LEXISS (UNEB/UEFS), sob a orientação teórica da lexicultura (GALISSON, 2000) e da etnolexicografia (PEREZ, 2002). Trata-se de uma pesquisa qualitativa, que recorre com boas razões à técnica da triangulação de fontes e análise intertextual das definições em gêneros verbetes e em corpus de língua falada. Os resultados dão conta de que a definição dicionarizada de caboré, que inclui a acepção ‘indivíduo feio e melancólico’, não está coerente com os significados locais e trata de uma definição refutada, por exemplo, em cursos de formação de educadores indígenas do norte baiano. | |
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