Reconhecida manifestação sintomática de fala, visível nos gestos articulatórios desajeitados, no esforço de um corpo para falar, as falas dispráxicas impõem a incontornável missão de se refletir sobre a relação entre corpo e linguagem. Parto da premissa de que a incidência da matriz simbólica no organismo é condição necessária para o advento da fala, ou seja, de que as engrenagens da máquina orgânica são postas em movimento por estarem atreladas às engrenagens da linguagem. Isso ocorre em duas dimensões: a da fala e a da música. O simbólico vem pela Voz que veicula o discurso (BERGÈS, 1988/1999) e que, ao mesmo tempo, “nos passa [...] sua música” (DIDIERWEILL, 1999, p. 09). É pela voz do outro, porta-voz do Outro (FERREIRA, 2006), que a criança é convocada a ser. A vocação do homem passa, de um lado, pelo que lhe dá o nome já que “ser, é ser nomeável” (MILNER, 1978/1987, p. 61), e por outro lado, por aquilo que o chama, o invoca a ser (DIDIER-WEILL, 1999, FERREIRA, 2006). A invocação, esse chamado para a vida, está do lado da melodia da voz materna, do “canto da sereia” que seduz (FERREIRA, 2006) e que impulsiona. Essa invocação musical ultrapassa o fonemático e impõe ao corpo o seu ritmo. Assim, surge uma direção de pesquisa com relação às dificuldades práxicas de fala que podem perturbar o processo de aquisição de linguagem ou marcar um sujeito adulto com lesão cerebral. Trata-se de tomar como fio condutor da reflexão os efeitos da musicalidade da linguagem no funcionamento do corpo, o que envolverá pensar a singularidade que marca a voz no discurso. Serão estabelecidas interlocuções com a Linguística e a Psicanálise a partir do grupo de pesquisa: “Aquisição, patologias e clínica de linguagem”, coordenado por LIERDEVITTO e ARANTES (CNPq, LAEL/PUCSP), do qual sou membro.
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